Natureza e História

Ementa:

A construção do conceito de “natureza”, como categoria unificadora de uma realidade extremamente complexa e diversificada, constitui um dos pilares do pensamento ocidental. Desde a antiguidade clássica, a formação da idéia de sociedade humana passou por um conjunto de oposições onde o conceito de natureza (physis, natura) representou uma parcela decisiva: natureza versus lei; natureza versus técnica; natureza versus espírito; natureza versus arte; natureza versus história. Ou seja, um conjunto de diferenciações que procurou estabelecer a especificidade do fenômeno humano diante do referencial básico da natureza.
De toda forma, a convivência obrigatória com as estruturas e processos biofísicos que existem no planeta Terra, incluindo a diversidade de espécies que nele evoluem, define um aspecto essencial da experiência histórica dos seres humanos. Tal convivência, assim como a produção cultural de imagens e concepções sobre o mundo natural, representa um dos fundamentos mesmos dessa experiência histórica, na medida em que: 1) a existência humana expressa-se necessariamente através de atos biológicos e 2) as paisagens, tecnologias e representações produzidas pela ação humana manifestam-se sempre na interseção entre espaços / elementos naturais específicos e movimentos de apropriação / transformação significativa dos mesmos através de ações coletivas.
A relação entre a tradição historiográfica e o tema da natureza foi sempre tensa e ambígua, até mesmo pelo fato da primeira basear-se em grande parte no movimento de afirmação da sociedade humana através da negação dos seus vínculos naturais. Uma parcela considerável da tradição historiográfica desqualificou radicalmente a relevância do mundo natural para o entendimento da trajetória humana. Outra parcela desaguou na falácia do determinismo geográfico/ecológico, que toma o natural como eixo mono-causal de explicação da vida social.
No contexto da contemporaneidade o quadro teórico tornou-se mais complexo e menos dualista. As ciências naturais adquiriram maior sofisticação teórica, aproximando-se da perspectiva histórica ao entender a natureza como uma realidade em constante transformação, longe da imagem tradicional de um cenário estável e permanente. O diálogo da história com a ecologia e a geografia vem inspirando análises cada vez mais finas. A politização do tema da natureza no espaço público, por outro lado, é cada vez mais intensa, desafiando a reflexão dos cientistas sociais.
Esse conjunto de desafios teóricos e políticos tem estimulado o surgimento de uma literatura rica e instigante que procura renovar a compreensão do lugar da natureza na história humana – e da história humana na natureza – valendo-se de instrumentos conceituais mais sofisticados e de estratégias analíticas mais elaboradas. Tal renovação teórica não está limitada aos historiadores ligados à corrente específica da “história ambiental”, que vem crescendo institucionalmente em diferentes países, mas inclui o esforço intelectual de nomes notáveis como Fernand Braudel, Keith Thomas, Raymond Williams, E. Le Roy Ladurie, Simon Schama e outros.
Dentro deste panorama, o curso pretende discutir, mesmo que de maneira seletiva, o estado da arte do tratamento do tema da natureza na historiografia contemporânea. A discussão focalizará alguns trabalhos especialmente relevantes, agrupados segundo determinados eixos conceituais e temáticos que possam fornecer uma clara indicação da riqueza, densidade e relevância das análises.

PROGRAMA E BIBLIOGRAFIA BÁSICA

  • Aula 1 – Introdução Geral ao Tema e ao Programa
  • Pádua, J.A. “As Bases Teóricas da História Ambiental”, Estudos Avançados, 24 (68), 2010.
  • PARTE I: A RELAÇÃO ENTRE NATUREZA E HISTÓRIA COMO PROBLEMA
    TEÓRICO
  • Aulas 2 e 3: Conceitos de Natureza e Teorias da História
  • Williams, R. “Idéias de Natureza” in Cultura e Materialismo (São Paulo, 2011).
  • Bourg, D. “Modernidade e Natureza” in Os Sentimentos da Natureza (Lisboa, 1993)
  • Coates, Peter. Nature: Western Attitudes since Ancient Times (Berkeley, 2005) – Caps. 1 e 9.
  • Braudel, F. “Há uma Geografia do Individuo Biológico?” in Escritos sobre a História (São Paulo, 1992)
  • Arnold, D. The Problem of Nature (Oxford, 1996).
    – LeCain, T. The Matter of History (Cambridge, 2017).

  • Aulas 4 e 5: Além do Dualismo: O Diálogo Necessário entre História, Antropologia e Ecologia
  • Levi-Strauss, C. “Estructuralismo y Ecologia” (Madrid, 1976)
  • Descola, P. Outras Naturezas, Outras Culturas (São Paulo, 2016).
  • Descola, P. Par-delà Nature et Culture (Paris, 2005)
  • Descola, P. “Who Owns Nature” (site La Vie des Idées, 2008)
  • Ingold, T. e Palsson, G., Ed, Biosocial Becomings: Integrating Social and Biological Anthropology (Cambridge, 2013)
  • Viveiros de Castro, E. “Imagens da Natureza e da Sociedade” in E. Viveiros de Castro, A Inconstância da Alma Selvagem (São Paulo, 2002).
  • Asdal, Kristin. “The Problematic Nature of Nature: The Post-Constructivist Challenge to Environmental History”, History and Theory, n. 42-1, 2003.
  • Cronom, W. “In Search of Nature” e “The Trouble with Wilderness” in W. Cronom, Ed., Uncommon Ground: Toward Reinventing Nature (New York, 1996).
  • Worster, D., “Nature and the Disorder of History” in M. Soulé e G. Lease, Eds, Reinventing Nature?: Responses to Postmodern Deconstruction (San Francisco, 1995).
  • PARTE II: O TEMA DA NATUREZA NA HISTORIOGRAFIA
    CONTEMPORÂNEA – ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS
  • Aulas 6 e 7 – Darwinismo, Ecologia e a Radicalização do Enfoque Histórico no Entendimento da Natureza
  • Norris, M. “Darwin’s Reading of Nature” in M. Norris, Beasts of the Modern Imagination (Baltimore, 1985).
  • Bowler, P. The Earth Encompassed: A History of the Environmental Sciences (Norton, 1992). Caps.10 e 11.
  • Drouin, J-M. L’Ecologie et son Histoire: Réinventer la Nature (Paris, 1991)
  • McNeill, W. “Passing Strange: The Convergence of Evolutionary Science with Scientific History”, History and Theory, n. 40 – 1, 2001

  • Maturana, H. e Varela, F. A Árvore do Conhecimento: as Bases Biológicas da Compreensão Humana (São Paulo, 2010).
  • Aula 8 – Revisitando a Relação entre Geografia e História
  • Alan Baker, Geography and History: Bridging the Divide (Cambridge, 2003)
  • Morrissey, J., Nally, D, Strohmayer, U. E Whelan, Y. Key Concepts in Historical Geography (Sage, 2014)
  • Swyngedouw, E. “The making of cyborg cities” In: Heynen, N., Kaika, M. e Swyngedouw, E., eds., In the Nature of Cities (London, 2006)
  • Aula 9 e 10 – Região, Paisagem e História.
  • Dubost, F. “La Problématique du Paysage: État des Lieux”, Études Rurales, 121-124, 1991.
  • Corbin, A. L’Homme dans Le Paysage (Paris, 2001)
  • Schama, S. Landscape and Memory (London, 1995)
  • Mitchell, W., org., Landscape and Power (Chicago, 2002)
  • Malpas, J., org., The Place of Landscape (Cambridge, 2011)
  • PARTE III: A NATUREZA COMO PROBLEMA HISTORIOGRÁFICO –
    ALGUNS TEMAS FUNDAMENTAIS
  • Aulas 11 e 12 – A Floresta como Objeto Historiográfico
  • Harrison, R. Forests: The Shadow of Civilization (Chicago, 1992)
  • Radkau, J. Wood: A History (London, 2012)
  • Dean, W. A Ferro e Fogo: A História e a Destruição da Mata Atlântica Brasileira (São Paulo, 1999)
  • Corvol, Andrée, Les Arbres Voyagers (Paris, 2005)
  • Williams, Michael, Deforesting the Earth (Chicago, 2003)

  • Aulas 13 e 14: A Circulação de Plantas e Animais como Objeto Historiográfico.
  • Beinart, W.e Middleton, K., “Transferência de Plantas em uma Perspectiva Histórica”, Topoi, 19 (10), 2009.
  • Russel-Wood, A.J.R, “Dissemination of Flora and Fauna”, Cap. V de A.J.R Russel-Wood, The Portuguese Empire: a World on the Move (Baltimore, 1998)
  • Kiple, Kenneth, A Movable Feast: Ten Millennia of Food Globalization (Cambridge, 2007)
  • Crosby, A., Ecological Imperialism: The Biological Expansion of Europe – 900/1900 (Cambridge, 1986)
  • Aula 15 – Doenças como Objeto Historiográfico
  • Le Roy Ladurie, E. “Un Concept: L’unification Microbienne du Monde” in E. Le Roy Ladurie, Le Territoire de L’Historien 2 (Paris, 1978)
  • Cook, N. D., Born to Die: Disease and the New World Conquest – 1492/1650 (Cambridge, 1998)
  • Watts, S. Disease and Medicine in World History (London, 2003)
  • Crosby, A., Ecological Imperialism: The Biological Expansion of Europe – 900/1900 (Cambridge, 1986)
  • Aula 16 – O Clima como Objeto Historiográfico
  • Le Roy Ladurie, E., Histoire Humaine et Comparée du Climat, 2 vols (Paris, 2004-2006)
  • Le Roy Ladurie, E., Abrégé d´Histoire du Climat: Du Moyen Age à Nos Jours (Paris, 2007)
  • Ruddiman, W. Plows, Plagues and Petroleum: How Humans Took Control of Climate (Princeton, 2005)
  • Acot, Pascal, Histoire du Climat (Paris, 2004).

Sexta-feira
09:00
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