A indústria não apenas forjou o mundo como o conhecemos nos últimos dois séculos, como colaborou fundamentalmente para construir um imaginário sobre a contemporaneidade. Em grande medida, as ciências sociais desenvolveram-se nos séculos XIX e XX para compreender o universo das fábricas e da sociedade construída em seu entorno. Durante décadas, industrialização foi sinônimo de desenvolvimento e modernidade. Era, assim, um objetivo perseguido por diferentes regimes políticos ao redor do globo, incluindo lideranças socialistas e pós-coloniais. Para os historiadores, analisar a trajetória deste mundo fabril, suas contradições e conflitos, seus impactos na sociedade e na natureza, bem como suas relações com Estados, instituições e grupos sociais, tem sido um dos temas dominantes de diversas áreas da disciplina, como a história econômica, a história social do trabalho, a história política, a história urbana, a história ambiental, entre muitas outras.
Nas últimas quatro décadas, no entanto, o mundo industrial tradicional, moldado, ao longo do século XX, pelo chamado modelo fordista, entrou em profunda crise. Fechamento massivo de fábricas, diminuição progressiva do peso do setor secundário na economia e desestruturação e enfraquecimento de instituições e redes de sociabilidades articuladas em torno das diversas comunidades industriais, são alguns dos fenômenos que constituem o que economistas e cientistas sociais têm denominado de “desindustrialização”.
O conceito tem sido objeto de controvérsias e debates acadêmicos e políticos. Em um aparente paradoxo, com o deslocamento de cadeias produtivas para o continente asiático nunca, em números absolutos, tantas pessoas trabalharam em indústrias como nos últimos anos. No entanto, são cada vez mais difundidas as previsões de que a automação e as
transformações tecnológicas atualmente em curso destruirão, em poucos anos, o emprego fabril para sempre. Além disso, os efeitos da “desindustrialização” no tecido social, na configuração urbana e no jogo político contemporâneo também têm sido destacados, em particular após a ressurgência de fortes movimentos de extrema direita ao redor do mundo.
Em que pese sua importância, a “desindustrialização” ainda é pouco estudada pelos historiadores, apesar de algumas iniciativas em nível internacional. No Brasil, uma visão economicista domina a pesquisa sobre o tema, negligenciando fortemente a análise dos processos históricos e a ação dos sujeitos sociais. Este curso procura apresentar alguns dos debates nacionais e internacionais em torno do conceito de “desindustrialização” e sua história, bem como apontar algumas das possibilidades e desafios da análise dessa temática no Brasil a partir de uma perspectiva da história social.