Com Prof. Dr. José Sérgio Leite Lopes (MN/CEBAE/CMV – UFRJ)
A proposta do curso é refletir criticamente sobre a relação entre memória, esquecimento e silêncio na experiência brasileira de acerto de contas com seu passado ditatorial. O curso retoma discussões feitas em duas edições anteriores (2019.1 e 2020.1), nas quais os objetivos fundamentais foram pensar a construção de categorias como ‘memória’, ‘verdade’, ‘justiça’, ‘reparação’ e ‘direitos humanos’, as disputas em torno delas e os seus acionamentos por distintos atores sociais. Em ambas as ocasiões, nosso foco se voltou especialmente para a tentativa de compreender as memórias elaboradas pelos diferentes grupos sociais e as formas pelas quais elas foram institucionalizadas na forma de diferentes políticas públicas ao longo das três décadas da chamada Nova República.
O avanço do negacionismo em relação à ditadura militar no Brasil contemporâneo e a transformação do elogio à ditadura em política de governo representam o fim do ciclo de políticas voltadas para reconhecer e reparar as violências do Estado. Esse novo cenário tem exigido uma reflexão acerca das bases político-discursivas que sustentam as posições que relativizam, justificam, legitimam ou mesmo celebram a violência de Estado da ditadura, sendo este o tema da primeira aula. Em seguida, propomos um debate sobre a questão das listas e cifras oficiais de mortos e desaparecidos e uma discussão relativa à forma pela qual o tema da ditadura tem sido tratado no ensino básico. Ao final deste bloco introdutório, esperamos ter um diagnóstico conjunto sobre os entraves históricos na constituição de uma memória crítica sobre o passado autoritário no país.
No segundo bloco do curso, propomos uma reflexão sobre os silêncios e esquecimentos relativos às violações aos direitos humanos de setores sociais historicamente alvos prioritários das violências de Estado. O debate se organizará a partir de um conjunto de filmes produzidos pela Comissão da Verdade da UFRJ. Trata-se da série Incontáveis, dividida em seis episódios, que abordam os temas da violência da ditadura contra os trabalhadores do campo e da cidade; a população LGBTQIA+; os moradores de favelas e a população negra; o mundo da educação; as mulheres e os povos indígenas.
O curso marcará o lançamento público da série, razão pela qual teremos seis aulas públicas, em formato de lives. Ao colocar para discussão esse material, o objetivo é não apenas refletir sobre os esquecimentos historicamente construídos acerca dessas temáticas, mas também propor uma reflexão coletiva acerca das potencialidades e dos limites da iniciativa enquanto tentativa de oferecer uma tradução do conhecimento acumulado pela academia e pelas políticas públicas de memória na forma de um instrumento de disputa política da memória social.
Nesse sentido, alguns temas transversais atravessam as aulas e as lives do segundo bloco. Em que medida as dimensões de raça, etnia, classe, gênero e sexualidade foram deixadas de lado na construção das políticas de memória e reparação à ditadura? O quanto esses silêncios ajudam a explicar a dificuldade de constituição de uma memória socialmente compartilhada de repúdio ao período na sociedade brasileira? Como se constituiu a especificidade da violência dita política da ditadura em relação a outras formas de violência do Estado brasileiro, tanto no período do regime autoritário quanto em outros períodos históricos? Em que medidas um novo ciclo de políticas públicas voltadas para o passado ditatorial poderia incorporar essas dimensões, abrindo caminho para a afirmação de outras leituras sobre a violência na história do Brasil? Qual é o papel das universidades e dos movimentos sociais no alargamento dessas memórias e dessas narrativas?